Guimarães Rosa (1908-1967)

Guimarães Rosa (1908-1967)

“Grande Sertão, Veredas”. Petrópolis, 1972. Hermes Inda me contava do romance por noites a dentro, com trigada e muito uísque. A odisséia do herói Riobaldo. A frase ”Viver é muito perigoso”, repetida em vários trechos, permanece como uma daquelas que entregam a obra e intrigam o leitor. Levei vinte anos para ler o livro com ele deve ser lido – palavra por palavra. Entretanto, bastou o primeiro contato para provocar a travessia de outra epopéia sonora, o “Ulisses” de James Joyce. Também contada, ou melhor, cantada, por Hermes.

Os livros de Rosa são sobre gente, plantas e bichos em contato com o ambiente sertanejo. Um glossário de sons, cheiros e formas. Um dissertário sobre a flora, bichos e gente do sertão (São Marcos, em Sagarana), sobre o amor impossível e a malária (Sarapalha, em Sagarana), sobre bovinos e eqüinos e desenhos dos chifres de todas as castas (Burrinho Pedrês, em Sagarana, Cara de Bronze, em Corpo de Baile), sobre a moral do homem rústico (Duelo, em Sagarana),  e a história de amor mais breve e singela que existe (o final de Minha Gente, em Sagarana).

“Guimarães Rosa encontrou nas palavras uma quarta dimensão. Elas estão pejadas de novos sentidos. Mesmo apelando para os nossos sentidos poderíamos repetir com Drummond que “cinco sentidos é tão pouco!” Especialmente quando se trata de penetrar a obra de Rosa. As palavras estão nele sentidas e ressentidas, criadas e recriadas. Quem conseguiria dizer como ele, falando de certo indivíduo que “ele era um rico diabobem trapilho”; “Enormes e desenormes”; “mudou e demudou”; “essezinho, essezim”; “abriu em mim um susto; porque: passarinho que se debruça, o vôo já está pronto”; “tosse, tossura da que puxa secos peitos”; “por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, para desdoidar”; “antesmente”; “um era ruim, como o outro ruim era”; “um poucadinho”; “sozinhozinho”? (Pedro Bloch em entrevista de Guimarães Rosa, publicada na revista Manchete, nº 580, de 15/06/1963)”.

Como curiosa provocação, fica aqui a opinião de que o título da tradução americana de “Grande Sertão, Veredas” – The Devil to day in the Backlands – que quase literalmente significa “Vai Haver o Diabo Hoje no Sertão”, “fala” muito melhor sobre o conteúdo da obra. O capeta está solto pelo sertão e dentro da cabeça e do coração dos protagonistas Riobaldo e Diadorim... e só os abandona no finalzinho do livro.

Curta seleção de Ditos imperdíveis:

1- Viver é sempre obrigação imediata.

2- O que tem de ser tem muita força.

3- A coisa não está nem na partida nem na chegada, mas na travessia.

4- Felicidade se acha em horinhas de descuido..

5- O amor é sede depois de se ter bem bebido.

6- Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.

7- Esperar é reconhecer-se incompleto.

8- Viver é muito perigoso.

9 - O Diabo é às brutas; mas Deus é traiçoeiro (sug. de Júlio Machado)

10 - Deus existe mesmo quando não há (sug. de Júlio Machado)

E mais uma, que eu quase ouvi igual no sertão da Bahia, em um arraial cerca de Piatã, ao perguntar a um caboclo já de idade:

– Mas, gente, que é que vocês fazem de noite?

– Ah, de noite a gente lava os pés, come leite e dorme.

(in Corpo Fechado, Sagarana)

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Hermes

Hermes e Luis Alfredo, Salvador, 1997

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Nota: Eu me pergunto se, e até que ponto, Guimarães Rosa, se inspirou na relação entre Gilgamesh e Enkidu, seu inseparável amigo, para relatar as aventuras de Riobaldo e Diadorim em o Grande Sertão, Veredas? A "Epopéia de Gilgamesh" narrra a história do mais famoso herói da Babilônia. O manuscrito (tabletes cuneiformes), em língua Acadiana, foi encontrado em Niniveh, na biblioteca do rei Assírio, Arsurbanipal (reinado entre 668 e 627 a.C.). A mesma lenda, em língua Sumeriana, data do segundo milênio A.C.

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1 comentários:

Anjo Ngero Solitario disse...

É dele o Poema Amor impossível? se alguém tiver me manda!