Introdução

Introdução
— Introdução —

Acontecimentos que marcaram tempos e lugares. Imagens e ditos benditos e benvindos. Vieram de amigos e parentes, escritores, mitos, músicos, poetas, cineastas, cientistas e filósofos.

Arthur Dapieve. José Saramago, ao olhar a bunda de sua mulher, Pilar, inspira Dapieve na mais perfeita e sintética definição de amor. Um compêndio condensado em uma frase;
Sommerset Maughan. O Fio da Navalha foi um livro que só conta por uma citação da folha de rostro que me levou a ler em seguida os Upanishads e o  Bhagavad Gita. Julio Cortázar e um texto sobre o beijo, que desencoraja qualquer tentação em se escrever algo semelhante;
José Saramago. O mais puro lirismo erótico de uma primeira noite de amor, que se seguiu à mais longa declaração de amor por telefone que alguém já registrou;
Walter Benjamin. Outro olhar, uma outra visão que desmonta os cânones estéticos;
Calderón de La Barca, que afortunadamente intrometeu-se em meu encontro com Aurora em Madrid;
Djavan e os versos que roubei de  para presentear Jocasta;
Alexander Pope e um poeminha que narra o Gênesis da física moderna, um fiat Newton incomparável;
Anna de Noailles, condessa mundana da Belle Époque, e um curto verso de sete palavras que desafia qualquer tradutor da língua francesa;
Gulherme de Brito e a canção cuja letra me orientava em encontros com pessoas tristes;
Zé Kéti e outra letra, que eu costumava cantarolar, em momentos oportunos, para minhas namoradas adolescentes;
— Euclides da Cunha
e a mais bela página da literatura brasileira;
Guimarães Rosa ficou para sempre com o romance Grande Sertão, Veredas e os contos de Sagarana. O romance..., levei trinta anos para lê-lo como deveria, isto é, palavra por palavra. Sagarana é releitura que se repete com freqüência, talvez pela intimidade que tenho com os sertões e o agreste de Minas Gerais; Fernando Pessoa e o mar português;
Carlos Drummnd de Andrade. Descobri uns versos de Drummond que seriam, com certeza, uma resposta a outros de Fernando Pessoa;
Inês Pedrosa é uma descoberta recente. Transcrevo dois curtos parágrafos que me levaram a ler vários de seus livros;
Ingrid Borinski, há trinta anos, presenteou-me com sua tradução de Herzstück (Peça do Coração em Um Ato), de Heiner Müller. Uma jóia humorística que é pouco ou quase nada conhecida no Brasil, embora tenha sido traduzida para uma dezena de idiomas;
Ivan Lins. Ao me recuperar de um prolongada depressão, seus versos me mostraram “que a vida pode ser maravilhosa”; O Cristo Carpinteiro, de autor desconhecido. A frase mais terrível que já lí!
Marcel Proust e John Ruskin. Minhas conexões com ambos e entre eles; de Fernanda Schnoor, me restaram alguns poemas, um breve texto e um postal com a letra da música “A little Kiss each morning”;
John Keats não me passou desapercebido. Lí o longo poema Endymion, mas minha homenagem é feita pela transcrição do primeiro verso (um dos mais belos e famosos da língua inglesa);
Wolfgang von Göethe escreveu uns versos que compunham um mandamento para os estudantes de geologia da Universidade de Viena. Arrisquei uma tradução; Hector Bianciotti, que me mostrou a diferença entre “l’oiseau” e “el pájaro”; Manoel Bandeira ficou-me inesquecível com sua Passárgada. Quantas vezes eu recitei aqueles quatro versos!!!;
Paulo Mendes Campos. Um vício. É um dos dois autores de quem li toda a obra. Algumas delas ainda em minha mesa de cabeceira; Oscar Wilde é o outro. Também sempre à mão;
Eduardo Galeano foi leitura obrigatória dos anos 1970. Contestador das injustiças sofridas pelos atormentados povos dos terceiro e quarto mundos. Impossível de resumí-lo. Leiam-no todo. Menciono apenas quatro ditos de um lado seu de humor oportuno. Gostaria de ter escrito essas frases;
Kurt Gödel é aqui acompanhado por Douglas Hofstadter. Gödel, com seu Teorema da Incomplitude, derrubou os alicerces lógicos da colossal obra de Bertrand Russel e Alfred Withehead – Principia Mathematica. Esse teorema hyper-complexo passou a ser accessível ao entendimento do leitor curioso através do livro de Hofstadter – Gödel, Escher & Bach, talvez o livro, livro não, o compêndio mais “rico” que já li. Sempre à mão para consultas constantes; Edgar Alan Poe e a descoberta de Lenore;
Gilgamesh. Vai e volta, releio o trecho dessa epopéia, o mais antigo texto impresso que se tem notícia. Também ousei levantar a possibilidade de a história desse herói ter influenciado Guimarães Rosa em sua outra epopéia, o Grande Sertão, Veredas;
Pérola Akerman, arquiteta, psicóloga e filosófa, estava inspiradíssima quando conseguiu a proeza de resumir grande parte do ensinamento de Jacques Lacan em um único poema;
— Ligia Karam
, minha mulher, que sempre soube transformar os ditos em feitos e fatos;
Félix Arver, o poeta de um único poema, dos mais famosos do romantismo francês do séc. XIX;
Muhamad Ali e o mais curto poema da língua inglesa. Quatro letras em duas palavras;
— Pablo Neruda
e os dois de seus poemas mais famosos dos Anos Dourados do Rio de Janeiro;
Axel Munthe. Para saber do impacto em se avistar uma fada, leiam o trecho de o Livro de San Michele;
Rainer Maria Rilke e os três versos que me foram segredados por Ieda Inda, porém ela não cumpriu o dito.... e foi o fim de um affair; Robert Frost. Um verso bastante conhecido do poema The Road not taken,  ajudou-me quando tomei a difícil decisão de ir trabalhar na Guiné Bissau;
Jehovah e o mais universal dos ditos do mais famoso mito da civilização judáico-cristã;
Jacques Lacan e seu dito ilustrado e intrigante, o Nó Borromeano;François Villon, poeta alcóolatra, ladrão, assassino, condenado à forca e banido;
— Joana Narvaez y yo... Yo que no creo en brujas, pero que las hay, las hay!
Tatiana Weihmann, alvejante do meu niver com presença e palavras;
— Li Po
, poeta do século VIII, e um amor cuja “profundidade” jamais foi igualada;
— T.S. Eliot
e seus gatos;
— Isaac Asimov.
O autor mais prolífico de todos os tempos. Um monumento. Publicou 515 livros. Li 77 (ainda em minha estante);
Ezra Pound. Um mestre. A mais precisa e concisa definição de poesia que conheço; Thomas Friedeman. Uma alegoria de uma tribo africana que resume a vida atribulada e competitiva do mundo globalizado;
Ditos de Maria Antônia, irmã e minha primeira tutora literária;
de sobra, Poesias de Luis Alfredo e, com entrada separada
Maria e José…Nunca Mais!!!

Hoje 4 de janeiro de 2011, ainda faltam: Ligia, Lara, Maria Vitória, James Joyce, Lawrence Durrel,  Jack Kerouac, Paul Géraldy, Jacques Prevert, Federico Garcia Lorca, Vladmir Maiakovski, Friedrich Nietzsche, Ferreira Gullar, François Villon, e mais…

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Maria Antônia (1932- )

Maria Antônia (1932- )
  Ma-Antonia 40 anos
c.1955. Eu tinha uns quatorze ou quinze anos quando ouvi minha irmã recitar alguns trechos do poema Dactilografia, de Fernando Pessoa. Vira e volta ela sempre tentava me provocar, queria que eu ouvisse isso ou aquilo. Certo dia, estava passando pela sala e, quando ela passou pelo “tique-taque estalado da máquina de escrever”, me deu um “tique”, seguido de um “taque”, comecei a ler Pessoa e não parei mais. Naquele momento estava estabelecida a relação mestre – discípulo entre mim e minha irmã. A partir de então, e sempre, quando ela contava de livros ou cinema, eu escutava.
Após ter descoberto o autor de Em Busca do Tempo Perdido, lá pelo fim dos anos 1950, foi a Paris em 1960 buscar Proust.  Achou outra coisa… melhor – o Carlos. Por sua influência, data desse período minha leitura de A Prisioneira. Nunca me esqueci da poderosa e longa narrativa sobre o estado de vigília. Aquele momento que não é ainda, mas é quase (ver neste site Marcel Proust)
Ainda adolescente ela me apresentou a Jacques Prévert (Spectacle e Paroles), Paul Géraldy (Toi e Mois) e Arthur Rimbau, este com o poema Voyelles , e Marcel Proust. De Proust, li aguns trechos de A Prisioneira e No Caminho de Swan, ambos em tradução. Também insistira para que eu lesse L’Imoraliste, de André Gide, L'Étranger, de Albert Camus, e L'Être et le Neant, de Paul Sartre. Peguei em Sartre mais velho, a vol d’oiseau.
Em 1989, recebi uma longa carta em Bissau, onde ela dizia ter lido “a mais longa declaração de amor por telefone”. Era Raimundo Silva para Maria Sara – os dois protagonistas de o Cerco de Lisboa, de José Saramago. Foi fácil encontrar o livro na ex-colônia portuguesa.
Em junho de 2010 Maria Antônia nos apresentou à escritora portuguesa Inês Pedrosa (Fazes-me falta e Em tuas mãos). Minha mulher Ligia leu primeiro e insistiu. Que descoberta! Na mesma época, em São Paulo, leu-me um trecho da escritora libanesa Nada Moghaizel, C’est para la Poesie, do livro Images Écrites, onde a autora fala do aprendizado da língua durante a infância. Um aprendizado que de dá involuntariamente através da poesia. “…Nós compreendíamos os poetas antes mesmo de compreender a língua”. Era a voz “tão bela” da “maman” consolando a criança. O texto me tocou tanto com …a beleza das palavras é tão imensa que elas contém até mesmo aquilo que desconhecemos.
Novembro de 2010. Estou iniciando seu outro presente, Un amour de Swann, (décima segunda parte do Du côté de chez Swann), romance que recebeu o “Grand Prix des meilleurs romans du demi-siècle” (1950). Estarei em boa companhia por algum tempo.

Mas, suas descobertas, que eu pego emprestadas, não param. Para citar a última (novembro de 2010), ela chegou de Portugal com um dito para mim inédito: a saudação lisboeta “– Até sempre”. Depois disso, eu nunca mais falei “– Até logo”.
Janeiro de 2011, e o ano principia com seu presente supresa:Œuvres, de Rimbaud (Ed. Garnier, 1998). Mais uma boa companhia.
Outro dia Maria Antônia me ligou para revelar um novo achado. Estava ela no consultório, a porta se abriu e um paciente, ao se despedir do médico, exclamou:   “– Até de repente” . Era um português.

28/01/2011

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T. S. Eliot (1888-1965)


Thomas Stearns Eliot (1888-1965)eliot23

Poeta modernista, teatrólogo e crítico literário, nascido nos EUA e naturalizado inglês.
Em 1965, motivado por um longo prefácio de Eliot no livro Selected Poems, de Ezra Pound, passei por trechos de sua obra-prima – Four Quartets (1) e The Waste Land (1922), livros que justificaram o prêmio Nobel de literatura em 1948. Waste Land é considerado por muitos o melhor poema do séc. XX. É dedicado a Pound com a frase “il miglior fabbro” (o melhor artesão). Posteriormente, li outras poesias e algumas das cartas trocadas com Ezra Pound.
Contudo, Eliot se encontra por aqui por causa de seu livro “Old Possum's Book of Practical Cats” (1930) (2), descoberto por coincidência e acaso em um livraria de Londres, em 2000, um dia depois de eu e Ligia termos assistido um dos mais famosos musicais da história da Broadway – Cats (3). Com exceção da canção Memory, o livro é o libretto da peça.  Eliot sabia tudo sobre gatos. Outros que dissertaram com maestria sobre esses felinos, são: Júlio Cortázar, com seu livro de contos Orientação do Gatos, John Davies, e seu Garfield (4) e Ayrton Macedo (5).
No poema The Naming of Cats, o poeta conta e canta que os gatos devem ter três nomes diferentes. Abaixo, transcrevemos o final, que fala do último e inominável nome. Quem os conhece fica assim sabendo em que está pensando seu gato naqueles momentos de “imensa contemplação”.
The Naming of Cats (final)
But above and beyond there's still one name left over,
And that is the name that you never will guess;
The name that no human research can discover,
But THE CAT HIMSELF KNOWS, and will never confess.
When you notice a cat in profound meditation,
The reason, I tell you, is always the same:
His mind is engaged in a rapt contemplation
Of the thought, of the thought, of the thought of his name:
His ineffable effable
Effanineffable
Deep and inscrutable singular Name.
Mas acima e além, existe um nome guardado,
E esse é o nome que jamais você encontrará,
Um nome que os humanos sequer hão de ter pensado,
Só O PRÓPRIO GATO SABE, e ele jamais o pronunciará.
Se você encontrar um gato em profunda meditação,
Saiba a razão que o tempo lhe consome:
Sua mente paira a divagar em imensa contemplação…
E ele pensa, e pensa,
só pensa em seu nome:
Seu inefável efável
Efaninefável
Profundo e inescrutável sentido de seu Nome.
(1) Quatro longos poemas publicados separadamente: Burnt Norton (1936), East Coker (1940), The Dry Salvages (1941) and Little Gidding (1942). Uma meditação profunda sobre a natureza do tempo com respeito à teologia, história, natureza e a condição humana. Em cada poema há uma associação com cada uma dos quatro elementos – ar, terra, água e fogo. Leiam em inglês!
(2) “Old Possum”(Velho Gambá) – apelido dado por Ezra Pound.
(3) In 1954, o compositor Alan Rawsthorne musicou seis de seus poemas, em uma peça intitulatada Practical Cats. Após a morte de Eliot, esse trabalho serviu de base para o musical, Cats, de Andrew Lloyd Webber. Sua estréia se deu em Londres, em 1981, e foi consagrada por mais de vinte anos em cartaz na Broadway (ver Wikipedia).
(4) O gato Garfield, de John Davis, é a estrela de uma dos quadrinhos mais famosos da história, sendo publicado em mais de 2000 jornais de todo o mundo.
(5) O blog de Ayron Macedo nos ensina muito sobre gatos e aponta que o escritor argentino Julio Cortázar era louco por gatos. Entre seus livros deixou-nos um, de contos, intitulado “Orientação dos gatos”. Mais que isso, Cortázar teve um gato ao qual se referiu em sua obra. O escritor deu a ele o nome pomposo do filósofo alemão Theodor Adorno.

Li Po (c. 701-762)

Li Po (c. 701-762)

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Lá pelo final dos anos 1950, tomei conhecimento de Li Po lendo as exaltações que lhe fazia Paulo Mendes Campos. Somente agora tive acesso à sua obra. Hoje leio-o como um de meus poetas preferidos, e fico relendo seus poemas e brincando de trduzi-los.

Li Po (Li Bai ou Li Bo) é considerado o maior dos poetas da dinastia Tang, uma família que governou a China entre 618 e 907. É o mais citado poeta chinês no mundo ocidental. Era muito conhecido por ser um bebedor inveterado. Seus melhores poemas foram escritos enquanto estava bêbado. Escrevia sobre a natureza, o vinho, a solidão, a amizade e o amor.
Numa noite, o poeta estava bêbado em seu barco. Tentou abraçar o reflexo da lua no rio na Yangtze e morreu afogado. Uma morte triste, mas poética. Rendeu muitos poemas.

                      Poucos poetas souberam cantar um amor tão “profundo”

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Para Wang Lun

 

 

I was about to sail away in a junk, When suddenly I heard
The sound of stamping
and singing on the bank

It was you and your friends
come to bid me farewell.

The Peach Flower Lake
is a thousand fathoms deep,

But it cannot compare, O Wang Lun,
With the depth of your love for me

Estava para partir em meu barco
Quando subitamente ouvi
Os sons estampados
De melodia nas margens.

Era você com seus amigos
A se despedirem de mim

O Lago das Flores de Cerejeira
Tem dois mil metros até o fundo

Mas ele não se compara, oh! Wang Lun
À profundidade de seu amor por mim

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Li Bai ride boat will about to travel
Suddenly hear bank on stamp sing sound
Taohua pool water deep thousand feet
Less than Wang Lun accompany me feeling

Li Bai is already on the boat, preparing to depart,
I suddenly hear the sound of stamping and singing on the shore.
The water of Taohua pond reaches a thousand feet in depth,
But still it's not as deep as Wang Lun's feelings seeing me off.

Tradução para o inglês sem sintaxe. Interpretação contínua dos ideogramas. Composição do texto traduzido para o inglês. Mais acima, Transliteração e transcrição fonética dos caracteres chineses. Leiam e ouçam o ritmo e a sonoridade do poema. Notem que as palavras são todas monossilábicas.

 

Rosa vermelha

 
  A esposa do guerreiro está sentada à janela.
De coração aflito, borda uma rosa branca numa almofada de seda.
Picou-se no dedo! Seu sangue corre na rosa branca, que se torna vermelha.

Seu pensamento vai ter com seu amado, que está na guerra
e cujo sangue tinge, talvez, a neve de vermelho.
Ouve o galope de um cavalo... Chega, enfim, seu amado?

É apenas o coração que lhe salta com força no peito...
Curva-se mais sobre a almofada e borda com prata
as lágrimas que cercam a rosa vermelha.
 
 

Tradução de Cecília Meireles
"Poemas Chineses / Li Po e Tu Fu",  Nova Fronteira, 1996, RJ

  Sobre a imagem da rosa branca que, sendo tingida de sangue, transforma-se em uma rosa vermelha, desconfio que Oscar Wilde tomara conhecimento do poema, aí se inspirndo para escrever seu comovente conto O Rouxinol e a Rosa.  
 

Poema de Du Fu, outro grande poeta da dinastia Tang, a Li Po

 
 

Tu escreves como o pássaro canta.
Teu gorjeio? Versos.

Se não cantasses, as manhãs seriam menos vermelhas
E os crepúsculos menos azuis.

Quando a embriaguez te inspira, os Imortais inclinam-se
Das nuvens para te escutarem,
O tempo suspende seu vôo
O bem-amado esquece a bem-amada.

Tu és o Sol e nós, os outros poetas, somos apenas estrelas.
Acolhe, ó meu amigo, o balbucio do meu respeito!

 
 

Tradução de Cecília Meireles
"Poemas Chineses / Li Po e Tu Fu",  Nova Fronteira, 1996, RJ

 

Mais um belíssimo quadro pintado com palavras (in Ronaldo Correia de Brito)

Diante da minha cama, estende-se o luar.
Parece geada no chão
(*)

(*) Li Po transporta a brancura e brilho do gelo no chão para a Lua,  ou o luar para uma brancura de gelo no chão  Em Chão de Estrelas, de Silvio Caldas e Orestes Barbosa, a Lua é transferida para o chão estrelado.

:"...a lua furando nosso zinco
salpicava de estrelas nosso chão.

***

Nota: Mais, muito mais sobre Li Po em Humanistic Texts.

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Tatiana Weihmann (1969- )


Tatiana Weihmann (1969- )Tati
Sua pele é como “o reflexo de uma rosa branca  em um espelho de prata”. Assim Oscar Wilde descreve Salomé, e eu a Tati, que se auto-denominou de “a branquela infiltrada” (ver abaixo). Sua presença alvejante, mais Lula e Dudu, e suas palavras,  foram o plus no meu niver 70.
Contudo, este não é um site de cores, mas de ditos, e Tati me proporcionou um das mais bem ditas e benditas palavras. Seu texto veio logo após a festa de aniversário de 70 anos (sic), Uma breve e comovente declaração sobre a preciosidade das coisas simples, e que provocou de imediato duas respostas. A minha e a da grande ausente, Jo (Joana Narvaez neste site).
 
De Tati para todos, em 1 de outubro de 2010
 
  Pessoas Queridas!
Sei que sou a branquela infiltrada,  que fala muito, e que é meio exagerada no meio desta família de libaneses chiques e recatados!(rsrsrs).
Mas de verdade, gosto "mutcho" de vocês! e não me acanho em expressar isso! (azar das convenções)!
É um prazer participar e fazer parte disso tudo!
Luis Alfredo,
esperamos que nossa presença,(dos "familiares dos pampas gaúchos") tenham incrementado este jantar super especial que a Lili organizou em tua homenagem!
Viu?
Tudo vale a pena!
Vale a pena, brigar, fazer as pazes, se emocionar, amar, e declarar o amor! Reatar relacionamentos, fortificar os que já existem! Acordar aos 70 e tomar um lindo e delicioso café da manhã, com direito à tapioca e tudo!
Até cantar um parabéns, mesmo que corrido, escondido, roubado, rapidinho e interrompido (pois não deu para chegar ao fim). Mas, sobretudo ou acima de tudo, verdadeiro!
Adorei tua declaração para Lili, ela merecia mesmo, bem como tu mereceste, no mínimo, nossa presença num dia tão especial!
Que teu momento "surtado para o lado bom!" permaneça por mais 10 anos, para que possamos, repetir essa comemoração em grande estilo, por vários anos seguidos.(Lili, vai ter que repetir a dose!)
Muitos beijos e obrigada por nos incluir nesta festa!
Beth querida e Laura,
foi muito rápido mesmo,  mas já deu para matar a saudade, (um pouquinho). Em breve tem mais! Amanhã apertamos o Leandro, e ele leva os abraços na mala,rsrsrs!(assim como as dicas sobre os espelhos do apto, que faltaram!)
Beijos para todos,
com carinho
Tati
 
 
Resposta de LA em 3 de outubro de 2010
 
  Tati e tutti,
Após as palavras dessa branquela faceira, festeira intrometida... muito querida, fiquei sem as (sic).
Mas vou insistir e me repetir.
Desde há tempos ando por um caminho que começa e termina na Ligia. Muito pouco há antes ou depois. Entre o princípio e o fim, existem os Karam's, os de berço e os cooptados (eu, tati, beto, maurício, nando, leandro, dione, júlia e os quatro que faltam), e os moutinho's. Que passeio! São tantos e é tanto, que só um canto é possível para resumir meu espanto.
"Me, we"
Esse é o mais singelo e denso verso da poesia universal, nascido em uma resposta espontânea de Muhammad Ali a uns jovens que lhe pediram para fazer um poema, assim, na hora (está no Blog).
Só um PS é aqui possível. Um chavão, mas que gratidão.... àquela trinca de gaúchos que veio de tão longe para ficar tão perto. Partiram, mas ficaram para sempre. Uma gauchinha matreira, bebedora de cachaça, fez falta. E meu álbum? Mais chavão, que emoção... Lula e Tati, vai haver reprodução... esperem.
LA
 
Uma das mais belas páginas da Jo, com End mais que Happy, resposta ao tocante texto de Tati:
 
Reposta da Jo para todos, 4 de outubro de 2010:
 
  Amores e horrores...
Família é mesmo coisa hilária.
Berço dos depósitos mais intensos de nossos afetos e seu contraponto - os desafetos.
Legal mesmo, mas mesmo, é sabermos que nós temos.
Sim, nos temos para bem e para o mal, mas nos temos.
Os de "sangue" os sem sangue (seriam répteis?), para mim, todos iguais.
A todos amo e sei que do pouco que podemos dizer que efetivamente temos nesta vida, bem aí, neste limite que nas horas de desespero parece tênue e ilusório, ainda aí os tenho.
Tenho por que aprendo com cada um, então os levo comigo e isso, ninguém me tira, nem que quisessem.
Peguemos o exemplo do casal anfitrião da vez: Tenho, da racionalidade decisória, organizadora e mandona da Lili (e como tenho) aliás, se me permitem: somos as melhores representantes que a Tetê deixou)) ao melhor estilo embriagante e bon vivant do LA.
Tá, mais um exemplo, só para finalizar... da destreza social e lúdica da Tati à organização do armário do Lula (que o Nando não esteja copiado).
Que Deus os tenha não! Que eu os tenha!! Sempre!
bj,
Jo
 
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Todos aguardando novos ditos de Tati

Joana Narvaez (1981- )


Joana Narvaez (bruxas-vassoura1981- )


POSTAGEM RETIRADA
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JEHOVAH

Jehova Elohim

Bereshit 

 

 No princípio Elohim criou os céus e a terra
Beréshit bara Elohîm ét hashamaîms veét haarès

 

Um dos mais universais dos ditos do mais famoso mito da civilização ocidental, o  mito do Gênesis. A frase é revolucionária. Não importa se você é religioso, agnosta ou ateu. A proclamação e difusão dessas sete palavras prenunciaram o declínio das divindades então adoradas pelas nações da terra e relativizaram o universo dos homens, pois ele seria criado, e não eterno. Hoje a Teoria do Big Bang comprova o mito.

As sete palavras criavam o mito da criação, e criavam o que viria a ser o maior “best-seller” de todos os tempos – a Bíblia, traduzida em quase 1500 línguas e com 6 bilhões de cópias vendidas no mundo. A Bíblia é uma coleção de livros catalogados, considerados como divinamente inspirados pelas três grandes religiões dos descendentes de Abraão, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo. São, por isso, conhecidas como as  "Escrituras Sagradas”. O grande protagonista é Jehovah, que aparece 6.823 vezes no Velho Testamento, com todos seus outros 45 Nomes.

JEOVA

Jehovah NÃO é uma transliteração vocal do Hebreu YHWH. Sendo um dos Nomes do Deus de Israel na Torah, e na Bíblia cristã, esse nome seria impronunciado. Os antigos escribas o grafaram sem os pontos diacríticos que dariam os sons das vogais. Sua etimologia viria do verbo “Ser” – Hava, semelhante a Chava – “Viver”. “Eu sou quem eu sou”, proclamou Jehovah para Moisés. 

Em hebraico (1) a leitura é da direita para a esquerda: YHVH. Yaveh, Javeh, Jehovah,Jeovah, Jeová,etc., conforme a grafia de diversas línguas.

Elohim Elohim (אלהים) (2), no plural, é a palavra hebraica utilizada na Torah para designar divindades e poderes celestiais, em especial, um dos nomes de Deus. No início do Gênesis Elohim aparece como o Criador.

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(1) No alfabeto (Alef-Bet) hebraico antigo todas as 22 letras possuem um significado. A letra "IOD" (ou YOD), representa o princípio ativo: Iniciativa. A segunda letra "HE" expressa o princípio passivo: a Inércia. A terceira letra "VAU" representa o princípio do equilíbrio: o neutro. A quarta letra "HE" simboliza a energia latente, o transitivo ou o princípio de manifestação em outro plano, reflexo da primeira letra "IOD". O pai representa a ação Divina no material em forma neutra e os Netos ou a família em conjunto, a ação transitiva

alfabeto hebraico antigo As 22 letras do alfabeto hebraico primitivo (transcrição ocidental, com leitura por linha, da esquerda para a direita).

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alfabeto hebraico moderno Alfabeto hebreu moderno – Leitura por linha, da direita para a esquerda. Começa com Aleph, Bet, etc.

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(2) Já a palavra Eloha (singular) ou suas variantes Eloi ou Eli, pode significar "Deus Pai". Um exemplo dessa expressão foi quando Jesus , pregado na cruz exclamou: Eli Eli lama sabachthani? Que quer dizer "Deus Pai, Deus Pai, porque me abandonastes?

Em árabe Eloha deu origem à palavra Allah.

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Pablo Neruda (1904-1973)

Pablo Neruda (1904-1973)Pablo Neruda

Poeta chileno, Nobel de literatura (1971) e amigo (1) de Vinicius de Moraes, com quem formava a dupla dos mais populares poetas dos anos do curso científico do Colégio Mello e Souza (1957-59), os Anos Dourados do Rio de Janeiro. Os namorados trocavam entre si versos do livro Vinte Poemas de Amor e Uma Canção Desesperada.

Desse livro, os meus preferidos eram e continuam a ser os Poemas XX e XV, este último considerado o mais famoso de todos e o Soneto LXVI, também conhecido como Te Qiero, da obra Cien Sonetos de Amor.

 

Poema XX

 
 

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.

Escribir, por ejemplo: "La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos."

El viento de la noche gira en el cielo y canta.

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.

En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.

Ella me quiso, a veces yo también la quería.
¡Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos!

Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.

Oír la noche inmensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.

¡Qué importa que mi amor no pudiera guardarla!
La noche está estrellada y ella no está conmigo.

Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.

Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.

La misma noche que hace blanquear los mismos árboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.

Yo no la quiero, es cierto, pero cuánto la quise..
Mi voz buscaba al viento para tocar su oído.

De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.

Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto el amor, y es tan largo el olvido.

Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.

Aunque éste sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

 
 

Poema XV

 
 

ME gustas cuando callas porque estás como ausente,
y me oyes desde lejos, y mi voz no te toca.
Parece que los ojos se te hubieran volado
y parece que un beso te cerrara la boca.

Como todas las cosas están llenas de mi alma
emerges de las cosas, llena del alma mía.
Mariposa de sueño, te pareces a mi alma,
y te pareces a la palabra melancolía.

Me gustas cuando callas y estás como distante.
Y estás como quejándote, mariposa en arrullo.
Y me oyes desde lejos, y mi voz no te alcanza:
déjame que me calle con el silencio tuyo.

Déjame que te hable también con tu silencio
claro como una lámpara, simple como un anillo.
Eres como la noche, callada y constelada.
Tu silencio es de estrella, tan lejano y sencillo.

Me gustas cuando callas porque estás como ausente.
Distante y dolorosa como si hubieras muerto.
Una palabra entonces, una sonrisa bastan.
Y estoy alegre, alegre de que no sea cierto.

 
 

Soneto LXVI

 
 

No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.

Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.

Tal vez consumirá la luz de enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor,
a sangre y fuego.

 
 

(1) Soneto  dedicado a Vinicius de Moraes

 
  No dejaste deberes sin cumplir;
Tu tarea de amor fue la primera;
Jugaste con el mar como un delfin
Y perteneces a la primavera.

Cuanto pasado para no morir!
Y cada vez la vida que te espera!
Por tí Gabriela supo sonreír
(Me lo dijo mi muerta compañera).

No olvidaré que en esa travesía,
Llevavas de la mano a la alegria
Como tu hermano del país lejano.

Del pasado aprendiste a ser futuro
Y soy más joven porque, en un dia puro,
Yo vi nacer a Orpheu (*) de tu mano.
 
     

(*) Neruda se refere à peça de Vinícius Orpheu da Conceição, estreada em 25 de setembro de 1956 no Teatro Municipal carioca. Em 1959, a peça virou o filme de Marcel Camus, Orfeu do Carnaval.

Para os mais ligados em Neruda, vale a pena ver o pouco divulgado livro Los Versos del Capitán, com uma explicação do próprio poeta, em Biblioteca Digital Ciudad Selva. Como único prólogo do livro aparece una carta firmada por uma tal Rosalía de la Cerda, escrita en Havana, Cuba, explicando que envía ao editor Paolo Ricci uma série de poemas que havía  sidoescrito para ela por um ex-combatente fa facção republicana da Guerra Civil Espanhola. Ela e o soldado iam se conhecido na fronteira entre Espaha y França após o término da guerra, vivendo então uma história de amor, cujo testemunho formam parte do livro. Tudo inventado por Neruda.

Introito

— Introdução —

Acontecimentos que marcaram tempos e lugares. Imagens e ditos benditos e benvindos. Vieram de amigos e parentes, escritores, mitos, músicos, poetas, cineastas, cientistas e filósofos.

Arthur Dapieve. José Saramago, ao olhar a bunda de sua mulher, Pilar, inspira Dapieve na mais perfeita e sintética definição de amor. Um compêndio condensado em uma frase;
Julio Cortázar e um texto sobre o beijo, que desencoraja qualquer tentação em se escrever algo semelhante;
José Saramago. O mais puro lirismo erótico de uma primeira noite de amor, que se seguiu à mais longa declaração de amor por telefone que alguém já registrou;
Walter Benjamin. Outro olhar, uma outra visão que desmonta os cânones estéticos;
Calderón de La Barca, que afortunadamente intrometeu-se em meu encontro com Aurora em Madrid;
Djavan e os versos que roubei de  para presentear Jocasta;
Alexander Pope e um poeminha que narra o Gênesis da física moderna, um fiat Newton incomparável;
Anna de Noailles, condessa mundana da Belle Époque, e um curto verso de sete palavras que desafia qualquer tradutor da língua francesa;
Gulherme de Brito e a canção cuja letra me orientava em encontros com pessoas tristes;
Zé Kéti e outra letra, que eu costumava cantarolar, em momentos oportunos, para minhas namoradas adolescentes;
— Euclides da Cunha
e a mais bela página da literatura brasileira;
Guimarães Rosa ficou para sempre com o romance Grande Sertão, Veredas e os contos de Sagarana. O romance..., levei trinta anos para lê-lo como deveria, isto é, palavra por palavra. Sagarana é releitura que se repete com freqüência, talvez pela intimidade que tenho com os sertões e o agreste de Minas Gerais;
Fernando Pessoa e o mar português;
Carlos Drummnd de Andrade. Descobri uns versos de Drummond que seriam, com certeza, uma resposta a outros de Fernando Pessoa;
Inês Pedrosa é uma descoberta recente. Transcrevo dois curtos parágrafos que me levaram a ler vários de seus livros;
Ingrid Borinski, há trinta anos, presenteou-me com sua tradução de Herzstück (Peça do Coração em Um Ato), de Heiner Müller. Uma jóia humorística que é pouco ou quase nada conhecida no Brasil, embora tenha sido traduzida para uma dezena de idiomas;
Ivan Lins. Ao me recuperar de um prolongada depressão, seus versos me mostraram “que a vida pode ser maravilhosa”; O Cristo Carpinteiro, de autor desconhecido. A frase mais terrível que já lí!
Marcel Proust e John Ruskin. Minhas conexões com ambos e entre eles;
de Fernanda Schnoor, me restaram alguns poemas, um breve texto e um postal com a letra da música “A little Kiss each morning”;
John Keats não me passou desapercebido. Lí o longo poema Endymion, mas minha homenagem é feita pela transcrição do primeiro verso (um dos mais belos e famosos da língua inglesa);
Wolfgang von Göethe escreveu uns versos que compunham um mandamento para os estudantes de geologia da Universidade de Viena. Arrisquei uma tradução;
Hector Bianciotti, que me mostrou a diferença entre “l’oiseau” e “el pájaro”;
Manoel Bandeira ficou-me inesquecível com sua Passárgada. Quantas vezes eu recitei aqueles quatro versos!!!;
Paulo Mendes Campos. Um vício. É um dos dois autores de quem li toda a obra. Algumas delas ainda em minha mesa de cabeceira;
Oscar Wilde é o outro. Também sempre à mão;
Eduardo Galeano foi leitura obrigatória dos anos 1970. Contestador das injustiças sofridas pelos atormentados povos dos terceiro e quarto mundos. Impossível de resumí-lo. Leiam-no todo. Menciono apenas quatro ditos de um lado seu de humor oportuno. Gostaria de ter escrito essas frases;
Kurt Gödel é aqui acompanhado por Douglas Hofstadter. Gödel, com seu Teorema da Incomplitude, derrubou os alicerces lógicos da colossal obra de Bertrand Russel e Alfred Withehead – Principia Mathematica. Esse teorema hyper-complexo passou a ser accessível ao entendimento do leitor curioso através do livro de Hofstadter – Gödel, Escher & Bach, talvez o livro, livro não, o compêndio mais “rico” que já li. Sempre à mão para consultas constantes;
Sommerset Maughan. O Fio da Navalha foi um livro que só conta por uma citação da folha de rostro que me levou a ler em seguida os Upanishads e o  Bhagavad Gita.
Edgar Alan Poe e a descoberta de Lenore;
Gilgamesh. Vai e volta, releio o trecho dessa epopéia, o mais antigo texto impresso que se tem notícia. Também ousei levantar a possibilidade de a história desse herói ter influenciado Guimarães Rosa em sua outra epopéia, o Grande Sertão, Veredas;
Pérola Akerman, arquiteta, psicóloga e filosófa, estava inspiradíssima quando conseguiu a proeza de resumir grande parte do ensinamento de Jacques Lacan em um único poema;
— Ligia Karam
, minha mulher, que sempre soube transformar os ditos em feitos e fatos;
Félix Arver, o poeta de um único poema, dos mais famosos do romantismo francês do séc. XIX;
Muhamad Ali e o mais curto poema da língua inglesa. Quatro letras em duas palavras;
— Pablo Neruda
e os dois de seus poemas mais famosos dos Anos Dourados do Rio de Janeiro;
Axel Munthe. Para saber do impacto em se avistar uma fada, leiam o trecho de o Livro de San Michele;
Rainer Maria Rilke e os três versos que me foram segredados por Ieda Inda, porém ela não cumpriu o dito.... e foi o fim de um affair;
Robert Frost. Um verso bastante conhecido do poema The Road not taken,  ajudou-me quando tomei a difícil decisão de ir trabalhar na Guiné Bissau;
Jehovah e o mais universal dos ditos do mais famoso mito da civilização judáico-cristã;
Jacques Lacan e seu dito ilustrado e intrigante, o Nó Borromeano;
François Villon, poeta alcóolatra, ladrão, assassino, condenado à forca e banido;
— Joana Narvaez y yo... Yo que no creo en brujas, pero que las hay, las hay!
Tatiana Weihmann, alvejante do meu niver com presença e palavras;
— Li Po
, poeta do século VIII, e um amor cuja “profundidade” jamais foi igualada;
— T.S. Eliot
e seus gatos;
— Isaac Asimov.
O autor mais prolífico de todos os tempos. Um monumento. Publicou 515 livros. Li 77 (ainda em minha estante);
Ezra Pound. Um mestre. A mais precisa e concisa definição de poesia que conheço;
Thomas Friedeman. Uma alegoria de uma tribo africana que resume a vida atribulada e competitiva do mundo globalizado;— A Segunda Lei da Termodinâmica / Entropia - Uma atração fatal;
Ditos de Maria Antônia, irmã e minha primeira tutora literária;
de sobra, Poesias de Luis Alfredo e, com entrada separada
Maria e José…Nunca Mais!!!

Hoje 18 de janeiro de 2011, ainda faltam: Ligia, Lara, Maria Vitória, James Joyce, Lawrence Durrel,  Jack Kerouac, Paul Géraldy, Jacques Prevert, Federico Garcia Lorca, Vladmir Maiakovski, Friedrich Nietzsche, Ferreira Gullar, François Villon, e mais…

***

Zé Keti (1921-1999)

Zé Keti (1921-1999) ze-keti

“Nascido José Flores de Jesus em Inhaúma, no subúrbio carioca. Aos três anos de idade foi morar em Bangu na casa do avô, o flautista e pianista João Dionísio Santana, que costumava promover reuniões musicais em sua casa. Aí ele começou a ouvir Pixinguinha. Cresceu ouvindo as cantorias do avô e do pai tocador de cavaquinho”. Seu caminho de glória estava traçado.

Máscara Negra era cantada sem parar no carnaval de 1967... e seguintes. Esses versos da canção se incorporaram ao vernáculo de meu cotidiano e eram recitados em ocasiões oportunas.

 

Vou beijar-te agora
Não me leva a mal
Hoje é carnaval...

***

Guilherme de Brito (1922-2006)

Guilherme de Brito (1922-2006)GUILHERME DE BRITO - FLOR E ESPINHO

Carioca do bairro de Vila Isabel. Aos oito anos ganhou um cavaquinho e não parou mais. Encontrou em Nelson Cavaquinho seu grande parceiro, que musicou suas letras nas canções A Flor e o Espinho e Folhas Secas, para citar apenas as mais famosas. Foi um grande poeta do samba.

1976. Em uma tarde de tristeza infinita, ouvi de um amigo, Alexandre Ferreira, essa pérola em versos da letra de A Flor e o Espinho.

  Tire o seu sorriso do caminho
que eu quero passar com a minha dor
 

Desde então, em momentos melancólicos, passo ao largo de pessoas em estado de júbilo.

***

Djavan Caetano Viana (1949-)

Djavan Caetano Viana (1949-)djavan-1

Minha homenagem ao cantor, compositor e poeta alagoano Djavan, que me socorreu na falta de inspiração própria.
Era um dia de sol.

Em 1988, no Porto, conheci uma portuguesa de raros olhos azuis e com um nome trágico – Jocasta. Dei-lhe de presente uma estrofe de sua canção Azul..

 

Eu não sei
Se vem de Deus
Do céu ficar azul,
Ou virá
Dos olhos teus
Essa cor
Que azuleja o dia...

 

***

Alexander Pope (1688-1744)

Alexander Pope (1688-1744)pope claro

Alexander Pope, pouco divulgado no Brasil, foi um dos maiores poetas britânicos do século XVIII. Melhor conhecido pelos versos satíricos e pela sua tradução de Homero, é o terceiro mais citado escritor Inglês, após Shakespeare e Tennyson. Foi um mestre do “heroic couplet”.  O breve poema abaixo ilustra a enormidade da figura de Isaac Newton, o físico que, embora nada modesto, em suas próprias palavras, “enxergou mais longe porque estava trepado sobre os ombros de gigantes”, referindo-se a Galileu, Copérnico e Kepler, que com ele formavam o Quarteto Fantástico.

Esse extraordinário poema descreve um fiat lux original: um fiat Newton.
Newton foi assim homenageado por ter revolucionado a Física do seu tempo com a nova teoria corpuscular da luz.

 

Nature and nature's laws
Lay hid in night;
God said
"Let Newton be"
And all was light

A natureza e suas leis
Escondiam-se nas trevas;
E Deus disse
“Faça-se Newton”
E a luz se fez

Wolfgang von Göethe (1739-1842)

Wolfgang von Göethe (1739-1842)goethe_large

 

Em 1964, os estudantes de geologia da Universidade de Viena decoravam esses versos como um lema a ser refletido e perseguido durante a vida profissional.

 

 

 

Warum ich zuletzt am liebsten
Mit der Natur verkehre?
Ist weil Sie immer Recht hat
Und der Irrtum
Bloss auf meiner Seite sein kann

Por que eu confio sempre
Na natureza?
Porque ela está sempre certa
E se houver erro
A culpa será sempre minha

(Extraído de “Zur Naturwissenschaft, Mineralogie und Geologie
D’Aubuisson de Voissins’ Geognosie. I. Dresden 1821”)
(A ilustração acima é do quadro
Göethe no campo”, de
Johann Heinrich Wilhelm Tischbein, 1786)

***

John Keats (1795-1821)


John Keats (1795-1821)clip_image002[1]
Um dos mais belos e famosos versos da poesia inglesa.
O primeiro de seu poema Endymion, iniciando a história de um jovem que se apaixona melancolicamente pela beleza impossível da lua:
 
A Thing of Beauty is a Joy Forever
(Algo de Belo é uma Jóia para Sempre)

Jacques Lacan (1901-1981) / Nó Borromeano

Jacques Lacan (1901-1981) / O Nó Borromeano 

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Entre 1969 e 1982, andei pelas poltronas de alguns psicanalistas, a maioria lacaniana. Aprendi e desaprendi muita coisa, coisas benditas. Este não é o espaço para caber Lacan. Contudo, cabe para resumir uma de suas ilustrações intrigantes – O Nó Borromeano, considerando que faço uso dele em um de meus blogs – sobre Hipnose – Psicose – Linguagem.

O Nó borromeano não é uma invenção original de Jacques Lacan. O próprio Lacan menciona em seu Seminário 20 que o havia notado no brasão da dinastia da família Borromeo. O uso que se faz da tríade para representar uma Unidade, também data de tempos muito antigos. Lacan usou-o para ilustrar a unidade do Sujeito, o Cristianismo como símbolo da Santíssima Trindade, etc.

Na matemática da Teoria dos Nós, um entrelaçamento Brunniano é uma trama de ligação entre três ou mais elementos geométricos que se separam caso um desses elementos seja removido. O adjetivo deriva do artigo Über Verkettung (Sobre entrelaçamento), escrito em 1892 pelo matemático alemão Hermann Brunn. O nó borromeano é um caso particular, onde o entrelaçamento é de três elementos circulares (extrema direita da figura abaixo).

 

Exemplos de entrelaçamento brunniano

 

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O Nó Borromeano na História

Parte das descrições abaixo foram pesquisadas no site The Borromean Rings

clip_image010O nó recebe o nome de Borromeu e ao uso que foi feito no brasão de uma família italiana, os Borromeo. No entanto encontra-se o nó borromeano bem antes disso, como por exemplo na arte budista afegão do século II. Percebe-se também algumas apresentações na mitologia grega. O nó borromeano foram utilizados em diferentes contextos, para simbolizar a força e unidade, especialmente a religião e as artes. Na psicanálise, o nó borromeano foi escolhido por Jacques Lacan para discutir a estrutura do sujeito, o que é a principal razão de sua maior popularidade.

 ***

 

Em uma forma triangular são conhecidas como valknut, símbolo dos mortos de alguns povos nórdicos. O valknut é encontrado em pedras rúnicas, datadas do século VII, na Escandinávia.

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Michelangelo Buonarroti (1475-1564) marcava seus blocos de mármore com o símblo adjacente à letra M. De acordo com o pintor e arquiteto florentino Giorgio Vasari, os círculos representavam as três artes: escultura, pintura e arquitetura, que deveriam permanecer juntas e inseparáveis,

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  clip_image020 Após a morte de Michelangelo, os artistas florentinos o homenagearam transformando os anéis em coroas de folhas de louro. Elas podem ser vistas em sua tumba, projetada pelo pintor e arquiteto Giorgio Vasari, ao fundo da nave lateral da igreja de Santa Croce em Florença.

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  Baixo relevo dos anéis concatenados em uma medalha de Cosimo de Medici (1389-1464). Reparem que não é um entrelaçamento brunniano. clip_image016

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Atenas e o Centauro, pintado por Sandro Botticelli em 1482.  O nó borromeano com seus anéis ilustra o estampado da veste da deusa. Os arabescos dos anéis são semelhantes ao da medalha de Cosimo de Médici, contemporâneo do pintor.

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  Símbolo da Santíssima Trindade cristã. Desenhado a partir de uma ilustração do século XIII encontrada em um manuscrito francês na cathedral de Chartres, e como foi reproduzida no livro de Didron “Iconografia Cristã” (1843).
A inscrição da figura ao lado deve ser lida iniciando-se com a palavras unitas, no centro, e seguindo as sílabas a partir da esquerda em sentido horário: Unitas Tri-ni-tas, ou seja Um em Três, ilustrando a Trindade dos nomes do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

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 RSI (Real – Simbólico – Imaginário)

"O Real é o impossível de abordar, o inefável, o indizível"

noeud borroméen

Lacan viu pela primeira vez a imagem do nó borromeano durante um jantar, nas armas de uma dinastia milanesa: a família Borromeu. Três círculos em foram de trevo se simbolizam uma tríplice aliança, tendo como sua especificidade o fato de que, se cada um dos anéis for retirado, os outros três ficarão livres, sem que se forme um par.

Cada um dos três círculos do nó borromeano representa umas das instâncias que compõe o aparelho psíquico: 1) o simbólico, a combinatória sem substância que organiza os significantes; 2) o imaginário, a dimensão do que se vê ou que se pensa que se vê dos objetos; e 3) o real, aquilo que, por escapar à possibilidade de recobrimento total pelos significantes, permanece na zona do inominável.

O nó borromeano, conforme articulado por Lacan no seminário 20 (Idem), é formado por três rodinhas de barbantes que se enlaçam de forma que formam, juntas um nó. Cada rodinha representa um dos registros pensados por Lacan e é uma parte autônoma, intercambiável. O nó, porém, só ocorre pela amarração da terceira rodinha, que enlaça todas num único laço. Lacan propõe o enigma: como fazer para que as rodinhas fiquem juntas de tal modo que, se uma delas for cortada, as outras fiquem livres?

É no mínimo intrigante que Lacan proponha um enigma a seus ouvintes e leitores para ilustrar o que acontece com os registros ao final de uma análise porque é exatamente o enigma do próprio desejo e de como o sujeito lida com ele que leva alguém para o divã.

A resposta do enigma proposto pelo psicanalista é que a segunda rodinha deve ser dobrada por dentro da primeira e a terceira deve amarrá-la para que se fixe essa dobra. O que faz laço entre todas e o que impede que elas façam par é exatamente a dobra. Impossível entender como se dá essa nodulação sem, ao menos visualizar a figura. O melhor seria que cada leitor tomasse um tempo para “experimentar” o nó.

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Para Rabinovich, a estrutura borromeana implica uma equiparação das três ordens, real, simbólico e imaginário, sendo que cada uma delas tem a mesma importância que as demais. Cada um dos anéis se organiza de modo diferenciado do outro. Ao mesmo tempo, esse processo permite que, depois que essa organização se dê, ela se auto-anule, pois, uma vez que são intercambiáveis, cada anel pode sempre ser o outro.

http://www.psicanaliselacaniana.com/estudos/magicoreal.html

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Ilustração do RSI, por A. Claudete A. L. Prado

http://www.instituto-trianon.com.br/oestadiodoespelho_psicanalise.html

Rainer Maria Rilke (1875-1926)

Rainer Maria Rilke (1875-1926) 
Lous Andreas-Salome (1861-1937) 

  rilke Lous-Salome1


Lous Salomé foi uma intelectutal e psicanalista alemã, nascida na Rússia. Mais uma dessas mulheres (1) da belle époque que chocaram a sociedade pela postura independente e seus inúmeros amantes. Os anos de romance com Rilke tiveram início com a viagem do poeta à São Petersburgo, em 1899, ele com 24 e ela com 38 anos. Rilke foi a grande musa de seus poemas amorosos. Conheceu e escreveu sobre Freud e Nietzsche. Sua obra englobava títulos originais e provocantes, sobre o “anal e o sexual”, psicosexualidade dos jovens, “Jesus, o judeu”, narcisismo, erotismo, etc. Abaixo, um breve trecho de um poema seu bem conhecido. Uma lição para as mulheres… e para os homens:

 

Ouse, ouse... ouse tudo!!

Não tente adequar sua vida a modelos,
nem queira você mesmo ser um modelo para ninguém.
Acredite: a vida lhe dará poucos presentes.
Se você quer uma vida, aprenda... a roubá-la!

 

Rilke, nascido em Praga na época do Império Austro-Húngaro-Boêmio, foi uma dos mais importantes poetas da lingua alemão do final do séc. XiX-princípio do séc. XX. Nunca exerceu qualquer profissão, tendo vivido sempre à custa de suas amigas nobres e abastadas. Ele é aqui homenageado por duas razões. Primeiro, pela influência de suas Cartas a Um Jovem Poeta, lido nos anos 1960. O segundo motivo vem da estrofe final do poema Lid, ( in Caderno de Malte Laurids Brigge), que Ieda Inda –  uma  mulher ocupando ainda minhas saudades –  costumava recitar (1972) e que, de certa forma, refletia um pouco da amargura de nosso breve “affair”.

  Du machst mich allein. Dich einzig kann ich vertauschen.
Eine Weile bist dus, dann wieder ist es das Rauschen,
oder es ist ein Duft ohne Rest.
Ach, in den Armen hab ich sie alle verloren,
du nur, du wirst immer wieder geboren:
weil ich niemals dich anhielt, halt ich dich fest
 
     
 

Uma sofrível tradução (minha) seria:

Tu me fazes me sentir sózinha. …..?
Em um instante tu estás perto, depois vem o ruído
Ou um aroma que não tem fim
Oh, em meus braços eu tudo perdi (?)
Tu, que aparece e reaparece sempre
Porque eu nunca te possuí, eu te mantenho comigo. (?)

 
     
 

Ieda

 
  Ieda  

 

***

(1) Outra mulher fascinante, do mesmo período, foi Anna de Noailles (neste blog).

Famíla Thompson de Carvalho–Fotos

 
Regina
Regina Thompson
 
Regina & netos
Regina e netos
 
Mathilde & Julya
Mathilde e Julya
 
Andrea
Andrea
 
Arilno, Ana Cristina e Tiago
Arilno e Familia
 
Dulce
FOTO DULCE 12
 
Sacha
Sacha Thompson
 
Helena
Helena Thompson
  

Euclides da Cunha (1866-1909)

Euclides da Cunha (1866-1909)Euclides_da_cunha_

Euclides da Cunha poderia ter sido um cineasta, tal a vividez de sua narrativa. Cinema puro! Sua descrição do Sertanejo, é para mim a mais bela página da literatura brasileira.

Eu tinha dezesseis anos (1957) quando Mendonça, professor de xadrez do Clube Olympico, em Copacabana, declamava o que era para mim uma poesia. Escutava aquilo espantado, com ouvidos arregalados. Mendonça guardava em seu paletó desbotado as anotações, também desbotadas, da partida que jogara no Brasil com o Grande Mestre russo, Alexander Alekhine, em 1939. Ele resistiu 30 lances. Que orgulho, dele e meu!

Em certas noites, eu costumava recitar trechos de Os Sertões para os colegas geólogos, afeiçoados ao agreste da caatinga nordestina. Combinava com a cachaça, bebida obrigatória após os suarentos trabalhos de campo do nosso dia-a-dia.

 

O Sertanejo (O Homem, Parte III)

 
 

O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços neurastênicos do litoral.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticulados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de displicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a espenda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas. E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo — cai é o termo — de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo ridícula e adorável.

É o homem permanentemente fatigado.

Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na cadência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade e à quietude.

Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude.

Nada é mais surpreendedor do que vê-la desaparecer de improviso. Naquela organização combalida operam-se, em segundos, transmutações completas. Basta o aparecimento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta, sobre os ombros possantes aclarada pelo olhar desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura vulgar do tabaréu canhestro reponta, inesperadamente, o aspecto dominador de um titã acobreado e potente, num desdobramento surpreendente de força e agilidade extraordinárias.

Este contraste impõe-se ao mais leve exame. Revela-se a todo o momento, em todos os pormenores da vida sertaneja — caracterizado sempre pela intercadência impressionadora entre extremos impulsos e apatias longas.

É impossível idear-se cavaleiro mais chucro e deselegante; sem posição, pernas coladas ao bojo da montaria, tronco pendido para a frente e oscilando à feição da andadura dos pequenos cavalos do sertão, desferrados e maltratados, resistentes e rápidos como poucos. Nesta atitude indolente, acompanhando morosamente, a passo, pelas chapadas, o passo tardo das boiadas, o vaqueiro preguiçoso quase transforma o "campeão" que cavalga na rede amolecedora em que atravessa dois terços da existência.

Mas se uma rês "alevantada" envereda, esquiva, adiante, pela caatinga garranchenta, ou se uma ponta de gado, ao longe, se trasmalha, ei-lo em momentos transformado, cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria e partindo como um dardo, atufando-se velozmente nos dédalos inextricáveis das juremas.

Vimo-lo neste steeple-chase bárbaro.

Não há como contê-lo, então, no ímpeto. Que se lhe antolhem quebradas, acervos de pedras, coivaras, moiras de espinhos ou barrancas de ribeirões, nada lhe impede encalçar o garrote desgarrado, porque "por onde passa o boi passa o vaqueiro com o seu cavalo"...

Colado ao dorso deste, confundindo-se com ele, graças a pressão dos jarretes firmes, realiza a criação bizarra de um centauro bronco: emergindo inopinadamente nas clareiras; mergulhando nas macegas altas; saltando valos e ipueiras; vingando cômoros alçados; rompendo, célere, pelos espinheirais mordentes; precipitando-se, a toda brida, no largo dos tabuleiros...

A sua compleição robusta ostenta-se, nesse momento, em toda a plenitude. Como que é o cavaleiro robusto que empresta vigor ao cavalo pequenino e frágil, sustenta-o nas rédeas improvisadas de caroá, suspendendo-o nas esporas, arrojando-o na carreira — estribando curto, pernas encolhidas, joelhos fincados para a frente, torso colado no arção — "escanchado no rastro" do novilho esquivo: aqui curvando-se agilíssimo, sob um ramalho, que lhe roça quase pela sela; além desmontando, de repente, como um acrobata, agarrado às crinas do animal, para fugir ao embate de um tronco percebido no último momento e galgando, logo depois, num pulo, o selim; — e galopando sempre, através de todos os obstáculos, sopesando à destra sem a perder nunca, sem a deixar no inextricável dos cipoais, a longa aguilhada de ponta de ferro encastoada em couro, que por si só constituiria, noutras mãos, sérios obstáculos à travessia...

Mas terminada a refrega, restituída ao rebanho a rês dominada, ei-lo, de novo caído sobre o lombilho retovado, outra vez desgracioso e inerte, oscilando à feição da andadura lenta com a aparência triste de um inválido esmorecido.