Monumento a D. Pedro I – Praça Tiradentes – Os Dragões de Bel e Chicão

Em 1973, o geólogo Roberto Thompson de Carvalho (Bel) e seu amigo garimpeiro, Chicão, foram até a sede da Prospec S/A, em Petrópolis, onde eu trabalhava, e contaram duas histórias fantásticas (1). A que aqui vou resumir, conta sobre uma peculiaridade dos quatro dragões da estátua de D. Pedro I, erguida em 1862 na Praça Tiradentes (*), Rio de Janeiro. A peculiaridade? Os dragões são de OURO.

Chicão apresentou uma cópia microfilmada de atas de reunião da Câmara dos Deputados do antigo Distrito Federal (**), onde se discutia a necessidade de  substituição dos dragões por réplicas e reposição dos originais em um museu. Lembro-me de ter ouvido que o assunto foi debatido brevemente em plenário durante dois dias consecutivos, mas não me recordo das datas. Chicão recitava o texto de forma inflamada, chamando a atenção para três pontos: primeiro, que foi apresentado uma prova irrefutável da composição química das quatro pequenas esculturas – ouro; segundo, que as esculturas não eram folheadas a ouro e nem maciças, sendo ocas, mas nada foi relatado sobre a espessura da camada de ouro (2); terceiro, que nenhum deputado revelou qualquer espanto, parecendo que estavam mais preocupados em selecionar um escultor para as réplicas.

Como nunca havia prestado a devida atenção, dias depois fui  olhar o monumento, pode-se dizer, pela primeira vez. O pedestal e as esculturas, D. Pedro a cavalo e as quatro alegorias em volta, todas de bronze, estavam totalmente patinadas (o bronze é uma liga metálica com 67% Cu e 33% Zn, e a pátina resulta de sua oxidação, sendo composta essencialmente por carbonato e sulfato de cobre, de cor verde). A coroa real entre os dragões também é de  ouro, permanecendo com a cor amarela.

Um fato ficou claro. Somente um metal de cor amarela resiste tanto tempo (século e meio) em um clima tropical sem sofrer corrosão e oxidação. Esse metal é o Ouro.

A sequência de eventos interrompidos, entre 1973 e 1974, é marcada por um clima de conspiração, a portas fechadas. Esboçávamos planos para roubar os dragões. Havia duas variantes. Uma compreendia um “apagão” e os dragões seriam retirados de noite. O Bel chegou a identificar um funcionário da Light que garantira ter condições de executar essa parte. A outra variante consistia em se forjar uma “limpeza da estátua”, levantando-se tapumes em torno do monumento em pleno dia. Essa era mais elegante, mas era de um risco acovardante. Para ambas, Chicão afirmava que um pequeno gerador seria suficiente para movimentar uma pequena serra que lembraria a “maquita” que hoje é utilizada no corte de lajotas para pisos e revestimentos (granito, mármore, etc.). O ouro, sendo muito mais macio do que rocha, iria garantir o sucesso do corte.

…e nossa aventura acabou! Valeu pelo lúdico. Por um tempo, atuávamos como três personagens de uma comédia italiana, mas seríssimos. Tempos depois, ao lembrar, eu e Bel demos boas gargalhadas.

Porém, como tal matéria “morreu” na Câmara? É bastante possível que essas reuniões tenham se dado às vésperas da transformação do Distrito Federal  em Estado da Guanabara, digamos, em 1959. Com a mudança para Brasília, em 1960, as prioridades passaram a ser outras. As antigas atas ou foram arquivadas e esquecidas, ou perdidas e enterradas junto com o antigo Distrito Federal. O Rio passou a Estado e o resto virou passado remoto e esquecido. Somente um garimpeiro do calibre do Chicão para desencavar esse ouro com sua bateia histórica! O Bel, que assina este texto, garimpando o garimpado, chegou a tempo de resgatar e tentar reavivar o que hoje seria um segredo desconhecido.

Ambos devem estar sorrindo.

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Praça Tiradentes Geral
O monumento a D. Pedro I, inaugurado em 30/03/1862, com a presença de D. Pedro II, foi esculpido e fundido em bronze na França por Louis Rochet e seu estagiário, o famoso escultor Auguste Rodin. Foi o primeiro erguido na cidade, e é o maior da América Latina. Em 1865 inseriram-se alegorias que representam as quatro virtudes das nações modernas: Justiça, Liberdade, Igualdade e Fidelidade, simbolizadas pelos índios dos rios Amazonas, Madeira, São Francisco e Paraná. Os moldes em gesso doram esculpidos pelo artista Miguel Couto dos Santos .
(O projeto original do conjunto escultório é de João Maximiniano Mafra. O gradil em bronze é do artista  Miguel Couto dos Santos Mafra, que recebeu medalha de ouro na Academia de Belas Artes pelo trabalho.  Foto da face leste, vendo-se a alegoria do rio Amazonas no centro, do rio Madeira à esquerda e do rio São Francisco à direita. Restauração de 2005-2006)

 
 

Os dois dragões

 
 

As armas de Bragança, em bronze, vigiadas por dois dragões de ouro.
A cor amarela dos dragões e da coroa persistindo por século e meio (3)

 
 

Dragão detalhe

 
 

Detalhe de um dos dragões

 

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Obs. 1 –  A outra história em narrada neste blog em O Tesouro de Tiradentes.

Obs. 1  –  Como o ouro é “mole”, estima-se que um mínimo de 1 cm de espessura da camada da escultura oca, seria suficiente para que ela se sustentasse sem deformar. Os quatro dragões pesariam cerca de 30 kg, o que equivale a mais de um milhão de dólares (valor em julho de 2011).

Obs. 2 – A foto dos dois dragões é de André Mendonça.

Notas:

(*) “O Largo do Rossio Grande, depois Campo dos Ciganos, em 1747 passou a ser o Campo da Lampadosa, em 1808 passou para Campo do Polé, depois de 1822 foi a Praça da Constituição e finalmente Praça Tiradentes em 1890. Praça de muitos nomes e muitos moradores ilustres, como José Bonifácio de Andrada e Silva que residiu na esquina com a Avenida Passos, onde D. Pedro I gostava de despachar. Foi um lugar de boemia, que começou com os bailes do Visconde do Ouro Seco em seu Solar e se mantém na Estudantina, a mais autêntica gafieira do Rio de Janeiro, onde os cariocas continuam a fazer a festa” (in Marcílio).

Em artigo de O Globo (8/8/2011), Ludmila Lima lembra que a praça foi chamada de Constituição “porque foi lá, da varanda do Real Theatro de São João, hoje João Caetano, que D. Pedro fez o juramento à constituição portuguesa em 1821”.

(**) Os limites do atual município do Rio de Janeiro são os mesmos dos antigos Distrito Federal (1891-1960) e Estado da Guanabara (1960-1975).

(***) “A descrição do monumento, que se ergue ao centro da Praça Tiradentes, pode ser assim resumida: – Sobre um soco de cantaria, vê-se um elegante gradil de ferro, imitando o bronze e apresentando, entre círculos e alternadamente, a coroa imperial e a legenda Pedro I, em letras de ouro; é de forma octogonal; em cada ângulo eleva-se uma coluna artisticamente ornada, que sustenta um lampião de gás, encimado por uma coroa. Nas bases dessas colunas estão gravadas as seguintes datas: 12 de outubro de 1798 – 6 de novembro de 1817 – 17 de outubro de 1829 – 9 de janeiro de 1822 – 13 de maio de 1822 – 12 de outubro de 1822 – 1 de dezembro de 1822 – 25 de março de 1824.

O espaço cercado pelo gradil é pavimentado de mármore. Sobre uma base de granito ergue-se o pedestal, que é octógono e de bronze, assim como todo o monumento. Vestem as suas faces principais quatro alegorias indígenas, simbolizando os rios Amazonas, Paraná, Madeira e São Francisco. Este é representado por um índio, que está sentado junto a um tamanduá bandeira e uma capivara. Outro índio, o do rio Madeira, está armado de arco e em atitude de disparar uma flecha, vendo-se, ao seu lado, uma tartaruga, uma ave e alguns peixes. Os rios Amazonas e o Paraná são representados, cada um, por duas figuras, sendo uma do sexo masculino e outra do sexo feminino. A silvícola do rio Amazonas tem sobre as costas uma criança adormecida. Seu companheiro descansa o pé sobre um jacaré, havendo, ao seu lado, uma jibóia, um tigre, um ouriço-caixeiro e uma ave. No grupo que simboliza o rio Paraná vêem-se um tapirete ou anta, um tatu e duas grandes aves.

Ornam o friso do pedestal escudos torreados, significando as vinte províncias do Brasil, e sobre cada um dos quais existe uma estrela dourada. Na parte superior da face principal estão as armas do Império e a seguinte inscrição: – A D. Pedro Primeiro, Gratidão dos Brasileiros. Nas faces laterais, as armas bragantinas, vigiadas por dragões dourados. Finalmente, sobre o pedestal ergue-se o vulto do monarca, em grande uniforme de general, montado a cavalo, tendo o braço direito alçado, num gesto de quem apresenta ao mundo o auto da independência do Brasil.

A altura do monumento – o primeiro inaugurado no Rio – é de 3 metros e 30 centímetros até o alto da cantaria; 6 metros e 40 centímetros, até o alto da cornija; medindo 6 metros a estátua eqüestre e seu plinto. O peso total do bronze é de 55.000 quilos, sendo: 28.000 quilos todo o pedestal; 12.080 quilos a estátua eqüestre; 10.000 quilos os dois grupos alegóricos grandes e 5.000 quilos os dois pequenos.” (Notar que não há referência aos dragões).

Publicado na edição de 5 de setembro de 1943 do jornal Diário de Notícias; [DN1946] Reportagens, Monumentos da Cidade, Ed.1946. (in Rememorarte)

 

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3 comentários:

J. C. M. Souza disse...

Essa história dá um belo de um roteiro pra ser filmado e transformar-se em grande sucesso de bilheteria.
Também é um ótimo tema para um ousado escritor. Ou você mesmo poderia escrever um livro que possivelmente se transformaria em best seller, hein!
Abraços e obrigado pelas visitas em meus blogs.

Luis Alfredo Moutinho da Costa disse...

Caro JC
Você sempre generoso. Aguardo que você mesmo cumpra a sugestão. Já bastou eu estar garimpando a minha vida para produzir este blog
Se voltar aqui, veja uma história ainda mais fantástica. Tesouro de Tiradentes
Forte abraço

Anônimo disse...

Não sei, mas acho que as pessoas ainda não estão preparadas para tantas revelações. Saudades destes dois grandes homens e suas aventuras.
Foi muito bom ter te encontrado!!!
Beijos,
Mathilde Thompson de Carvalho