Em 1959, lendo Vinicius de Moraes, aprendi sobre o fuzilamento de Lorca durante a sangrenta guerra civil da Espanha. Foi narrada na contundente ode “A Morte de Madrugada”. No mesmo ano, comprei dois livros do poeta andaluz. De sua obra maestra, Romancero Gitano (1924-1927), não havia como deixar de memorizar La Casada Infiel; do Romance Sonámbulo, decorei de imediato seus quatro versos iniciais, e hoje quase que sou capaz de recitá-lo quase por completo. O outro livro, uma coletânea de poesias, Poema del Cante Jondo (1921), inclui a elegia Llanto por Ignacio Sánchez Mejías (1), uma homenagem ao toureiro seu amigo.
O Romancero Gitano corria de boca em boca no dia a dia das ruas, das feiras, das tabernas, dos acampamentos ciganos, das praças. à maneira das manifestações poéticas medievais. “[…] Lorca foi um poeta que viveu na tradição oral. O fascínio do público por sua poesia emanava também da maneira que o poeta recitava, que revivia a arte de trovar da Idade Média espanhola[…]” (2).
Ainda falta para terminar meu encontro com Lorca
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La Casada Infiel | A Casada Infiel (3) | |
Y que yo me la llevé al río Fue la noche de Santiago Pasadas las zarzamoras, Me porté como quien soy. | E eu que fui levá-la ao rio Foi a noite de São Tiago. mais os juncos e os espinhos ,sob seus bastos cabelos fiz um côncavo no limo. Eu tirei minha gravata. Ela tirou seu vestido. Eu, o cinturão e revolver. Ela, seus quatro corpinhos. Nem nardos nem caracóis têm uma cútis tão fina, nem os cristais sob a lua relumbram com tanto brilho. Sua coxas me escapavam como peixes surpreendidos, metade cheias de luz, metade cheias de frio. Galopei naquela noite pelo melhor dos caminhos, montado em potra de nácar sem rédeas e sem estribos. Não quero dizer, por honra, as coisas que ela me disse. A luz do entendimento me faz assim comedido. Suja de beijos e areia, eu a levei do rio. Contra o vento se batiam as baionetas dos lírios. Portei-me como quem sou. Como gitano legítimo. Dei-lhe cesta de costura, grande, de cetim palhiço, e não quis enamorar-me, pois ela, tendo marido, me disse que era donzela quando eu a levava ao rio |
(A Lydia Cabrera |
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Os primeiros oito versos do Romance Sonámbulo são dos mais famosos da língia espanhola. “O poeta evoca o verde e a lua com a sua fatídica presença branca; evoca a água, com a sua possibilidade de fecundação e de erotismo e toda fauna e a flora para compor o processo de criação. Estes são emblemas de amor e morte, vida e dor, peculiares na poética lorquiana […]” a presença do mar, do barco, da sombra, do cavalo, da montanha, do vento, da mulher na varanda incorpora-se a um motivo; o mais constante na poesia de Garcia Lorca: a lua, sempre” […] a personagem cigana está quase morrendo na imensidão da luz tenebrosa da lua; Por outro lado, essa dor também está estreitamente relacionada à sua marginalidade; à sua condição de perseguida” (2). O final do Romance dá conta da perene e antiga hostilidade entre ciganos e poderosos. Os quatro últimos versos repetem a estrofe inicial. Na morte iminente, uma esperança verde ainda paira no ar.
Romance Sonámbulo | ||
Verde que te quiero verde. | ||
(A Gloria Giner e a |
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LIanto por Ignacio Sánchez Mejías - Ignacio foi um toureiro sevilhano (1891-1934), morto na arena de Manzanares, em 11 de agosto de 1934. Foi-me inesquecível durante mais de 50 anos o ponteio “A las cinco de tarde […] A las cinco en punto de la tarde […]”, que agora pode ser aferido pela comovente declamação de Ramón Fernández "Palmeral". A las cinco de la mañana foi a hora que Federico caiu morto, assassinado pelos touros negros de Franco em uma estrada de Granada.
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(1) Ambos da Editorial Losada S.A., Buenos Aires, Argentina; Ler na íntegra Poema del Cante Jondo;
(2) Ler Notas sobre o Romance Sonâmbulo, de Maria das Graças Ferreira Graúna;
3) (4) Modificado das traduções de Paulo Mendes Campos e Zelia Tellaroli N. Zamora;
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