Arthur Rimbaud (1854-1891)


Arthur Rimbaud (1854-1891)rimbaud
Por influência de minha irmã Maria Antonia, Rimbaud me descobriu durante a adolescência, com seu poema Vogais. Não sei porque, mas anos depois eu o lia esporadicamente ouvindo Debussy.
O texto abaixo é necessário para se sentir e ver seus poemas.

  “Acabo de tomar haxixe, e com as pupilas dilatadas vislumbro discos brancos e negros que vêm em minha direção". As reuniões transcorriam alucinantes através das noites, levitadas pelo absinto, ópio e haxixe. Neste insólito lugar, escreve Manhã de Embriaguez. Este poema em prosa (que fará parte das Iluminações) será o crisol alquímico do verso livre e manifesto supremo de espírito dionisíaco que o possuirá por completo. Essas experiências sinestésicas (transmutação de som em cor, poesia, perfume ou vice-versa), já haviam sido profetizadas por Baudelaire em seu antológico ensaio sobre o haxixe e o ópio, Os Paraísos Artificiais. Imerso o tempo todo nestes sublimes estados de percepção, Rimbaud compõe o poema Vogais, inspirado no cromatismo do século XVII e nos antigos tratados de alquimia, como "L´Ars Auriferae", de 1610. Vislumbra no som das vogais seu cristalino espectro cromático : Vogais  
 
                             Voyelles
 
  A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes:
A, noir corset velu des mouches éclatantes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles,

Golfes d'ombre; E, candeur des vapeurs et des tentes,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons d'ombelles;
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles
Dans la colère ou les ivresses pénitentes;

U, cycles, vibrements divins des mers virides,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges,
Silence traversés des Mondes et des Anges:
- O l'Oméga, rayon violet de Ses Yeux ! -
 
     
 
                               Vogais
 
  A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Eu direi algum dia seus natais latentes:
A, negro corpete de moscas reluzentes
Que zombem ao redor de odores lamaçais,

Ilhas sombrias; E, alvor de tendas e ares,
Lanças de gelo, reis brancos, frisson de umbelas;
I, sangue escarrado, riso de bocas belas
Em cólera ou penitência ébria nos bares;

U, ciclos, divino vibrar do verde mar,
Paz dos campos semeados, paz do enrugar
Que a alquimia marca na testa de homens sóbrios;

O, sumo Clarim de estridentes desarranjos,
Silêncios trespassados de Mundos e Anjos:
- Ó, Ômega, raio violeta de Seus Olhos! -
 
 
Trad. de Tomaz Fernandes Izabel
 

Um plágio ou um toque de gênio ??? — Em algum tempo de meus anos de análise interrompida (entre 1970 e 1982) me deparei com uma frase de Rimbaud – Je est a un autre (*) – que está no cerne do lacanianismo. Sem nunca ter perdido o hábito de garimpar, desencavei um comentário de Dominique Combe, que comprova a influência do crítico literário francês Hippolyte Taine, contemporâneo de Rimbaud, nas obras do poeta. Em especial, por ter sido esse crítico que originalmente escreveu a fórmula Je suis un autre”, subvertida por Rimbaud em Je est a un autre.  A substituição do verbo da segunda pela terceira pessoa, isto é, no lugar do outro, revela a complexa simplicidade do gênio de Rimbaud. Ele não menciona a fonte da inspiração. Também Jacques Lacan, não fazendo referência a Taine, torna Rimbaud ainda mais famoso no meio psicanalítico.

***

(*) A frase aparece em uma carta de Rimbaud a Paul Demeny, em 15/5/1871 (in Oeuvres, Classiques Garnier, 1998).

5 comentários:

Jullio Machado disse...

Imagina Rimbaud e Aldous Husley, autor de "Portas da Percepção", cutindo, juntos, uma noitada cheia de "baratos entorpecentes". E lá pelas tantas, no ápice da festa, ambos desafiados a escrever um poema. Fico imaginando quanta percepção nirvânica ambos não atingiriam nesse dito poema.

Luis Alfredo Moutinho da Costa disse...

Júlio,
Interessante, seu comentário. O Huxley era muito cerebral. O barato dele foi escrever sobre, enquanto Rimbaud, totalmente visceral, metaforizava, viajava. Quero dizer, ele atravessou a "porta". Huxley a abriu, deu uma olhadinha através, e ficou por aí.
Quando tinha sua idade, eu tentei "abrir essa porta" com a cannabis sativa, que só deixou minha boca seca; com cocaína, que apenas me irritou o nariz, com cogumelo (aquele que nasce em bosta seca de cavalo)... e desisti. Permaneço no pilequinho.
Há muito tempo rabisco um soneto com as "vogais", traduzindo um sentimento para cada letra. Contudo, não consigo nada de bom. Por que vc não tenta?

Jullio Machado disse...

Luis Alfredo,
quem sabe, posso um dia tentar. Mas sem aditivos, né? Uma "cachacinha, de leve, até pode, hein?!
Caro garimpeiro literário, mu perdoe se estou me passando, ao ter a pretensão de fazer comentários sobre grandes personalidades que se encontram aqui nesse teu requintado blog.
Cordiais abraços!

Luis Alfredo Moutinho da Costa disse...

Júlio,
Se for aquela cachaça do Box 32, aí do mercado de Floripa, tomo mais e mais que uma. Contudo (odeio conjunção adversativa, porém...), prefiro as branquinhas. Uma de minhas preferidas é a Serre Limpa, da Paraíba.
Já reparou que essas "grandes personalidades" tinham tantos ou mais defeitos que nós? A diferença é que seus espíritos eram iluminados. Podiam capturar a obra criativa no ... (não sei onde).
Abraços newtonianos

Jullio Machado disse...

Serra Limpa, é?
Tive uma ideia de um slogam pra essa caninha:
" Não beba umas e outras. Beba Serra limpa. Pois só ela deixa você de "cara limpa. (que bobagem, diria Jô Soares!)
Sobre o Box 32,é um patrimônio do contexto do Mercado Público.O Box 32 já deve ter inspirado muitos versos capitosos. ( o box 32 espera por nós dois.)
Sobre as "grandes peronalidades", de "espíritos iluminados", com certeza, também somos. É claro que alguns se destacam ao extremo. Mas toda luz provém de onde? Da necessidade; de horas de solidão, de um instinto de mariposa e muitos enígmas inexplicáveis e outros psicologicamente explicáveis... Logo, nem todos estão a fim de pagar determinado preço.
Efusivos Abraços!