9 de Outubro de 2005… o telefone toca… e toca… toca…, Eu sabia que era Pedro avisando do falecimento de seu pai, Havia falado um dia antes com ele. quando soube que o Hermes havia sido re-internado em uma hospital de Porto Alegre, em uma recaida logo após ter tido alta de uma pneumonia grave. Sua mãe, Dona Iolanda, falecera na antevéspera e no mesmo hospital. Antecipando um evento probabilísticamente quase impossível, mãe filho combinaram: Disseram: – Eu e você vamos partir sem que um saiba da morte do outro. E foi assim que eu também morri um pouco naquele dia.
Sua irmã, Ieda Inda, recém enviou-me um mail, abaixo transcrito, contando um pouco do Hermes em seu contexto familiar e frisando o quanto essa herança contribuiu para seu desenvolvimento humanístico e dele fez essa pessoa capaz, como nenhuma outra, em captar e se envolver com o maravilhoso das coisas e pessoas de seu entorno.
Hesitei bastante antes de acrescentar outra correção ao texto sobre meu irmão. Mas creio que devo à memória do Hermes, e especialmente à memória de nossos pais, uma imagem mais verdadeira. Refiro-me expressão “família humilde” que, receio, talvez possa remeter ao mito romântico em voga, do homem que se faz sozinho contra tudo e todos, filho de pais camponeses ou operários, “nascidos analfabetos”. Nossos pais com certeza nasceram analfabetos, mas Galileu, nosso pai, foi jornalista na juventude, e a mãe Iolanda (Ioiô, para os íntimos) estudou num excelente colégio de freiras alemãs, dedicando-se particularmente ao estudo do piano e violino. Eles casaram num período de relativa estabilidade financeira, mas logo iniciaram uma vida familiar que pode ser descrita como uma dramática alternância de “vacas muito magras” e “vacas meio gordinhas”. Em termos sócio-econômicos, uma trajetória em dentes de serra, gangorra ou montanha russa. Passamos por sérias dificuldades financeiras principalmente durante a primeira infância e no momento de ingressar na Universidade.
Mas quanto à oportunidade de educação e crescimento cultural, nossa irmã Acmene, Hermes e eu fomos privilegiados. Nossos pais, espíritos corajosos, lúcidos e independentes, acreditavam na busca do conhecimento e amavam as artes e a literatura, com preferência pelos clássicos. Não se empenharam em acumular bens e construir um patrimônio material para nos deixar como herança, como tantos outros pais. Em troca, fizeram quase o impossível para nos dar o que se costuma chamar uma educação renascentista. O aprendizado não era limitado ao que as escolas, também excelentes, ofereciam. Igualmente importante era aprender a nadar, montar a cavalo, atirar, caçar, pescar, lutar, andar de bicicleta e patins, dirigir veículos, cozinhar, costurar, tecer lã, lavar e passar roupa, desenhar e pintar, fotografar, praticar esportes, dançar, cantar, tocar algum instrumento musical, cuidar dos cães e gatos, criar peixes, limpar e arrumar a casa, cultivar horta e jardim, depenar e preparar perdizes, escamar e fritar lambaris, e outros desafios que mal recordo.
Conseguimos adquirir algumas dessas habilidades. Hermes não conseguiu aprender a jogar futebol, mas distinguiu-se em natação, basquete e atletismo. Um desastre como dançarino, conquistou com brilho seu brevet de piloto civil. Mas o essencial, em nosso exigente currículo, era aprender a suportar a adversidade sem muita choradeira e não deixar de abraçar cada inocente instantezinho de alegria, não dando excessiva importância ao que diriam no bairro. Não nos faltaram belos instantes, como não faltaram amor, apoio, inspiração e estímulo na família. Resumindo, fomos muito bem preparados para lutar e buscar livremente a independência, o conhecimento e, na medida do possível, a felicidade.
Hermes fez com raro altruísmo e talento próprios seu excepcional caminho, mas com certeza seria o último a esquecer o crédito devido à própria origem.
Ieda Inda, 14/4/2012
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O texto abaixo, retirado do Boletim Interno do Serviço Geológico do Brasil – CPRM, ano 2, p.1-2, n.52, 26 de outubro de 2005, foi produzido por diversos amigos e colegas do geólogo Hermes Inda, que tiveram o privilégio de seu convívio;
“Hermes Inda - A história de um geocientista visionário”
Hermes Augusto Verner Inda faleceu precocemente no dia 9 de outubro em Porto Alegre, vitimado por uma pneumonia. Deixa na lembrança de todos aqueles que o conheceram a figura humana ímpar, dotada de uma personalidade única, diante da qual ninguém ficava indiferente. Inteligência rara e humor refinado convivendo em perfeita harmonia, embasados em uma vasta cultura, faziam dele uma pessoa cativante.
Foi sua a concepção - inédita então no Brasil e contemporânea com alguns outros poucos serviços geológicos - de utilizar o conhecimento geológico e hidrológico para gerar informações básicas visando subsidiar as políticas públicas de gestão territorial e de meio ambiente.
Mestre não só na arte de conceber novos programas institucionais, bem como de propor o desenvolvimento de novas tecnologias, sabia como ninguém criar as correspondentes marcas e dísticos: LETOS. Singre, Proteger, Vida, Seus, Siga, SIR, Gate, Cieg, CDI, Geólogo Documentalista, Tecnologia de Soluções e muitas outras.
Diplomado em 1966, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, passou a maior parte de sua vida profissional entre a Bahia e o Rio de Janeiro.
De 1966 a 1975, trabalhou na Prospec SA, executando serviços de cartografia geológica e de pesquisa mineral para o DNPM, CPRM, Eletrobrás e Secretaria de Minas e Energia (SME/BA).
De 1976 a 1983, passou a efetuar serviços para a CBPM, SME/BA, Mineropara e DRM-RJ, através de consultoria, participando ainda de diversas instituições técnico-científicas como SBG, IUGS, entre outras. Foi o criador e editor da revista Ciências da Terra, período em que consolidou um dos seus vários pendores, o de editor de publicações geocientíficas. Como tal, foi o responsável por inúmeras publicações de textos e mapas, sendo, também, o criador de várias séries: Geologia e Recursos Minerais do Estado da Bahia - Textos Básicos, Programa de Edições Técnicas do Estado da Bahia, Programa Geocronológico do Estado da Bahia e o Programa Cartografia Geológica do Estado da Bahia, culminando com a criação e coordenação do Grupo de Projetos Especiais da SME/BA (GPE).
Como assessor especial da SME/BA, entre 1983 e 1985, calçou o seu conhecimento com incursões profícuas na área da informática aplicada às geociências, como coordenador da Comissão Organizadora do Simpósio Cogeodata/ Unesco sobre modelagem de depósitos
minerais; representante do Brasil no Simpósio Internacional da ONU sobre Informática Geológica; elaboração do Projeto de Capacitação Técnica para a Área de Inteligência Artificial e de Sistemas Especialistas na área de exploração mineral; elaboração e implantação do Projeto de Capacitação Técnica e Desenvolvimento de Tecnologia de Cartografia Digital e Geoprocessamento aplicados à pesquisa geológica; concepção, criação e implantação do Sistema de Bibliogafia e Documentação em Geologia e Tecnologia Mineral; concepção, criação e implantação do primeiro banco de dados nacional de grande porte de informações geológicas básicas; implantação do serviço de acesso online às bases de dados geológicos internacionais; e concepção, criação e coordenação do Serviço de Informática (Sisme) da SME/BA, além de ser responsável pela elaboração do primeiro Plano
Diretor de Informática da mesma Secretaria. Entre 1985 e 1994, na CPRM, foi diretor da Área de Operações (1985 -1990) e diretor de Geologia e Recursos Hídricos (1990-1994), período em que atingiu o ápice de sua carreira, sendo o responsável por boa parte das propostas inovadoras e de utilização de novas tecnologias. Nesse período, foi o condutor da retomada dos levantamentos geológicos básicos, através do Programa de Levantamentos Geológicos Básicos (PLGB), executado pela CPRM para o DNPM. Foi também responsável
pelo fortalecimento da Biblioteca da CPRM, mediante a concepção e implantação do Serviço de Atendimento aos Usuários (Seus) e da atividade de geólogo documentalista. Foi, ainda, responsável pela implantação e disseminação da microinformática na CPRM, em meados da década de 80, criando os Centros Distribuídos de Informática (CDIs), nas Superintendências Regionais da CPRM.
Em suas várias contribuições para o avanço do Serviço Geológico do Brasil, Hermes Inda propôs a consolidação, modelagem e organização em bases de dados do vasto acervo de dados geológicos existente na CPRM. Vislumbrando a disponibilização futura desse acervo digital, fez a CPRM se tornar uma das primeiras instituições brasileiras a ter implantado e disponibilizado internamente o acesso à Bitnet e à Internet, quando só existiam três ou quatro serviços geológicos, de países desenvolvidos, com essa facilidade instalada.
Na sua proposição de adoção da cartografia digital na CPRM, foi executado um trabalho pioneiro de adoção do conceito de topologia nos serviços prestados para a Secretaria Federal de Recursos Hídricos, de digitalização de drenagens, no âmbito do Programa Nacional de Irrigação (Proni). No final da década de 80, a CPRM foi a instituição precursora na utilização da tecnologia de Sistema de Informações Geográficas (SIG) em várias aplicações, dentre as quais sobressai a geração de mapas digitais de plantas da infra-estrutura urbana, voltada para a sua gestão, através do projeto desenvolvido para a Secretaria de Vias Públicas da Prefei tura de São Paulo – Projeto (Siga/SVP). Foi também o condutor da proposição e desenvolvimento do primeiro SIG no Brasil em ambiente de computador de grande porte. Ademais, foi a segunda instituição brasileira, em 1993, a desenvolver e gerar um CD-ROM – tecnologia incipiente à época - contendo bases de dados geológicos e um aplicativo MicroSiga para o acesso e a pesquisa de dados. A primeira a fazê-lo foi uma instituição privada da área da saúde.
Essas façanhas serviram para consolidar as atividades de geoprocessamento na CPRM e alçar a empresa à vanguarda da tecnologia, fazendo com que a IBM buscasse a sua parceria para efetuar projetos em conjunto. Foi dele então a proposta de implantar um showroom, no final da década de 80, que serviu para a apresentação, a visitantes e parceiros, das últimas novidades de geoprocessamento e informática desenvolvidas pela CPRM.
Transcendendo os limites da geologia clássica, foi o grande idealizador, entusiasta e precursor das atividades que hoje são utilizadas para subsidiar o ordenamento do território, mediante a concepção e implantação do Programa Gate, voltado para o levantamento de informações geológicas e hidrológicas básicas, e sua integração com outros temas, para apoio à decisão na gestão territorial e do meio ambiente.
Foi ainda o responsável pela transformação das atividades de editoração de relatórios e mapas da CPRM, mediante a sua racionalização e modernização, padronizando os procedimentos e conferindo-lhes um cunho altamente profissional.
De volta à sua terra adotiva – Bahia – utilizou a sua longa experiência para prestar diversos serviços à Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) e à SME/BA, visando a organização e disponibilização das informações geradas pelas diversas atividades da empresa, bem como o suporte à concepção e manutenção do Sistema de Informações sobre os Municípios da Bahia (Simba) em apoio às atividades da Assessoria da Secretaria Particular do governador da Bahia.
Todo esse rico legado de inovações e de realizações se deve ao fato de ele ter sido uma dessas raras pessoas que têm o olhar fixado no horizonte, tentando enxergar hoje o mundo de amanhã, buscando olhar além dos limites da geologia. Era um autêntico geocientista e um Visionário.
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Abaixo, a homenagem póstuma de Carlos Oiti Berbert, escrita mo dia seguinte do falecimento do Hermes. Hermes era Diretor da CPRM quando Oiti ocupava a Presidência, creio que entre 1990 e 1999,
Em: http://vsites.unb.br/ig/informes_antigos.htm#Falecimento_INDA
Enviada por Carlos Oití Berbert em 10 de outubro de 2005, às 11:45 hs.
Caros colegas e amigos,
Lamento informar que o Brasil perdeu ontem, em Porto Alegre, motivado por infecção hospitalar, um dos grandes geólogos brasileiros e uma das mentes mais brilhantes que conheci em minha vida, com quem tive o privilégio de compartilhar, por cerca de cinco anos, a direção da CPRM na década de 90: HERMES AUGUSTO VERNER INDA. Graças à sua visão de futuro, numa época bastante difícil, e com os demais Diretores, pudemos introduzir várias inovações que contribuíram para a transfomração da empresa no Serviço Geológico do Brasil, em dezembro de 1994, entre elas a então denominada Geologia Social, o Gestão e Administração Territorial - GATE e os programas avançados (para a época) de computação geocientífica. Em função de seu empenho particular, houve, ainda, um esforço bastante grande de formação e especialização de pessoal, particularmente em cursos de mestrado e doutorado.
A pedido de seu filho Pedro (51 - 3226 5562. 9115 1058 ) informo que o corpo de Hermes será cremado hoje, às 17:00 h na Capela Ecumênica Metropolitana de Porto Alegre e a cerimônia poderá ser acompanhada no endereço www.crematoriometropolitano.com.br
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(*) Neste blog, a íntegra de um artigo publicado em co-autoria com o Hermes – Fundamentos da Geologia Pós-Moderna
(**) Breve falarei muito mais do Hermes. Dos três anos que convivemos na Prospec (1972-1975), em Petrópolis, do tempo em que era Diretor da CPRM, e eu consultor intermitente em 1988/89, 1991/92/93 e quando ele ocupava uma assessoria especial do então Governador Paulo Souto, entre 1995 e 2000, em Salvador. Nossa conexão era perene, no escritório, em trabalhos de campo, nos bares e em sua residência (Petrópolis, Salvador e Urca), Aí. a madrugada nos atravessava acompanhada de sua imensa coleção musical, que ia do trovador nordestino e passava pelo popular e clássico universais. E a trigada fazia parte do repertório (receita do caudilho João Batista Lusardo, de Uruguaiana, e conhecido pelos argentinos como Hombre de la Guerra). E as doses intermináveis de uisque regavam os sons e papos e paladares e gargalhadas. Com Hermes fui “iniciado” em Isaac Asimov, Mafalda, Violeta Parra e Mercedes Sosa, o Ulysses de James Joice, o Grande Sertão, Veredas, de Guimarães Rosa… e muito mais. Ieda teve um papel presente e muito ativo durante esse meu aprendizado, desde o agreste baiano até as mansardas do Cremerie.
Depois eu conto!